UMA
PROFESSORA SINGULAR
(Uma
elegia em celebração de sentimento, militância e outras humanidades para MARIA
DO CARMO TAVARES DE MIRANDA)
Faleceu, aos 86 anos, nesta última
quinta feira, a professora, filósofa e escritora prolífica, Maria do Carmo
Tavares de Miranda. Títulos, referências, ela tinha em profusão. Na verdade,
foi muito mais que colega de Gilberto Freyre e discípula de Martin Heidegger.
Sabia fazer do seu ofício uma missão e de sua vida, um ato de acolhimento.
Conheci a Profa. Maria do Carmo
Tavares de Miranda em 1969 ao entrar para o curso de Ciências Sociais, no
então, “Instituto de Filosofia e Ciências Humanas” da UFPE. Não tive o privilégio
de ser seu aluno direto, mas, convivi e aprendi nos muitos diálogos, nas mesas
da “cantina de D. Rosa”.
Ela assumia, de modo próprio,
uma forma de ser tomista, como católica e grande estudiosa da Igreja. Todavia,
não desprezava a abertura proporcionada pelos espaços conquistados pela via do
existencialismo fenomenológico heideggeriano.
Nós, os quase loucos
resistentes, quando quase todos os sensatos recuavam, éramos vistos por aquela
senhora com uma compreensão que ultrapassava qualquer forma de maternalismo
piegas. Ela sabia o que estávamos fazendo, tinha clareza da linha tênue que nos
separava da insanidade. E assim, entre mais um cigarro e mais um cafezinho, dizia
o que pensava e nos mostrava de cara a dimensão monstruosa do , do que
enfrentávamos e sabia também, que não recuaríamos. Não nós, a quem ela se
referia, com afeto e uma ponta de admiração, como “os meninos de AP”. Gozávamos
de um afeto especial dela, pois sendo de “Ação Popular”, éramos,
representávamos a conquista, ou a busca do marxismo revolucionário pela via
cristã, católica. Uma tentativa de amálgama das teses do “Vaticano II”, do missionarismo
apostólico, passando pelo voluntarismo althusseriano, indo desaguar em um
leninismo de teor maoísta em voga na época. Havia uma espécie de neotrotsquismo
romântico em nossa militância e a Profa. Maria do Carmo não era a única a nos
apontar tal coisa. Também, seu contemporâneo de cátedra no Instituto, Prof.
Pinto Ferreira, dizia algo semelhante sem palavras dúbias.
Mas, esta pequena crônica
pretende ser uma manifestação de saudade, de recordação da prática humanista de
uma professora que sabia unir a
compreensão, a leveza da simplicidade, com a firmeza vigorosa, honesta, franca
de quem tem o conhecimento e tinha nítida consciência de ser uma circunstante
mergulhada em um momento histórico
crítico da vida nacional.
Hoje, mais de quatro décadas
depois, lamento, fico consternado com a notícia
de sua morte. Nunca esquecerei os cafezinhos e muitos cigarros que tresandavam
nossas conversas realçadas pelo seu olhar de simpatia entremeada de observações
agudas, de uma profundidade que nem sempre alcançávamos.
Recife, 22 dezembro de 2012
Marcelo
Cavalcanti
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