sábado, 22 de dezembro de 2012

Elegia para Maria do Carmo Tavares de Miranda


UMA PROFESSORA SINGULAR

(Uma elegia em celebração de sentimento, militância e outras humanidades para MARIA DO CARMO TAVARES DE MIRANDA)

Faleceu, aos 86 anos, nesta última quinta feira, a professora, filósofa e escritora prolífica, Maria do Carmo Tavares de Miranda. Títulos, referências, ela tinha em profusão. Na verdade, foi muito mais que colega de Gilberto Freyre e discípula de Martin Heidegger. Sabia fazer do seu ofício uma missão e de sua vida, um ato de acolhimento.

Conheci a Profa. Maria do Carmo Tavares de Miranda em 1969 ao entrar para o curso de Ciências Sociais, no então, “Instituto de Filosofia e Ciências Humanas” da UFPE. Não tive o privilégio de ser seu aluno direto, mas, convivi e aprendi nos muitos diálogos, nas mesas da “cantina de D. Rosa”.

Ela assumia, de modo próprio, uma forma de ser tomista, como católica e grande estudiosa da Igreja. Todavia, não desprezava a abertura proporcionada pelos espaços conquistados pela via do existencialismo fenomenológico heideggeriano.

Nós, os quase loucos resistentes, quando quase todos os sensatos recuavam, éramos vistos por aquela senhora com uma compreensão que ultrapassava qualquer forma de maternalismo piegas. Ela sabia o que estávamos fazendo, tinha clareza da linha tênue que nos separava da insanidade. E assim, entre mais um cigarro e mais um cafezinho, dizia o que pensava e nos mostrava de cara a dimensão monstruosa do , do que enfrentávamos e sabia também, que não recuaríamos. Não nós, a quem ela se referia, com afeto e uma ponta de admiração, como “os meninos de AP”. Gozávamos de um afeto especial dela, pois sendo de “Ação Popular”, éramos, representávamos a conquista, ou a busca do marxismo revolucionário pela via cristã, católica. Uma tentativa de amálgama das teses do “Vaticano II”, do missionarismo apostólico, passando pelo voluntarismo althusseriano, indo desaguar em um leninismo de teor maoísta em voga na época. Havia uma espécie de neotrotsquismo romântico em nossa militância e a Profa. Maria do Carmo não era a única a nos apontar tal coisa. Também, seu contemporâneo de cátedra no Instituto, Prof. Pinto Ferreira, dizia algo semelhante sem palavras dúbias.

Mas, esta pequena crônica pretende ser uma manifestação de saudade, de recordação da prática humanista de uma professora que sabia unir  a compreensão, a leveza da simplicidade, com a firmeza vigorosa, honesta, franca de quem tem o conhecimento e tinha nítida consciência de ser uma circunstante mergulhada em um  momento histórico crítico da vida nacional.

Hoje, mais de quatro décadas depois, lamento, fico consternado com a notícia  de sua morte. Nunca esquecerei os cafezinhos e muitos cigarros que tresandavam nossas conversas realçadas pelo seu olhar de simpatia entremeada de observações agudas, de uma profundidade que nem sempre alcançávamos.

Recife, 22 dezembro de 2012

Marcelo Cavalcanti

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