segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

NATUREZAS MORTAS E MEIOS TONS


Um pouco mais: abajours floridos, papéis de parede em tons pastéis, chalés e cachecóis de lã, sinetas de bronze, poltronas couro marrom escuro, carros de época, ambiente vitoriano, tapetes em tons de cinza, flores do campo em arranjos previsíveis.

A voz de contralto de Vanessa Redgrave contracenando com Emma Thompson em meio a laços vermelhos em decoração natalina.

A performance se desenvolve quase a meia luz. Faz quinze anos que vi este filme pela primeira vez. Ainda em vídeo cassete, em tv de tela curva. Era então, cheio de uma nostalgia quase melancólica pelo que não encontrava nem poderia, afundado em meus devaneios, além do que minhas mãos alcançavam e aquém do que foi sonhado, muito aquém.

Naturezas mortas sempre me fascinaram. Principalmente, quando assinadas por Renoir. Elas são a cristalização do que um dia foi um retraço de vida, de hálito primaveril ou de um úmido recanto de sala. Elas expressam com força meu estado de espírito. Hoje é quase primeiro de janeiro. Daqui a alguns minutos, tudo o que me crava no chão são flores, frutos, folhas pinceladas sobre telas, bordadas, impressas enquanto o cheiro denso e adocicado dos assados me envolve.

Enquanto isto, Anthony Hopkins discute com a Miss Schlegel, que será mais adiante, Mrs. Wilcox, ou Emma Thompson, na trama inglesa “Howards End”, de Iam Foster, em uma indelével versão multipremiada de James Ivory.

A vida pede menos maneirismos que o civilizado “vaudeville” de uma Londres de anteontem. O Brasil muda de mãos para não mudar de rumo. Lamento pelos rumos do país e do inevitável que ocorre comigo. Mas, quem sabe? Uma Presidente que aprecia “Tristão e Isolda” de Wagner, decerto agraciará o país com a ausência de metáforas simplórias e de grosserias histriônicas e isto pode ser motivo de algum regozijo.

Não há intervalos no filme nem na vida. Os instantes escorrem no curso do limiar de dois mil e onze. Quem dera que algumas questões, às vezes, chamadas de existenciais se inscrevessem nas maneiras singelas da passagem do século XIX.

Já ouço passos de um novo ano. Meus olhos se injetam diante do inapelável. Naturezas mortas e meios tons se mostram nos umbrais da madrugada.


Casa Forte, 31/12/2010 – 01/01/2011
Marcelo Cavalcanti
(81)93195627 – cavalcantimarcelo1948@hotmail.com

Post Scriptum: Não é apenas o “brique a braque” (no dizer lusitano da época), que entulhava os ‘livings”, que evocam uma nostalgia amorfa. E é curioso que objetos tão minunciosamante definidos criem emoções esfumaçadas como a atmosfera de “smog” da Inglaterra de então. Cavalos de ébano, unicórnios de cristal, cortadores de papel de chifre, molduras laqueadas nas salas de verão e mosaicos de madrepérola no fundo das bandejas. Este fluir revela que o inapelável sem sempre é inevitável e este mesmo, também se esvai como o embaçada do entardecer londrino. Desde criança vi tantas gravuras, fotos, desenhos, filmes ingleses, que desaguaram em novelas cheias de ciprestes e morangos, amoras, cerejas, pêssegos... Ahhh... os romances infanto-juvenis que preparavam minha imaginação para leituras mais recheadas de conteúdo supostamente adulto. Tudo para um prenúncio do que virá a ser 2011 e que de inglês mesmo, neste dia primeiro, só o Rolls Royce que deve conduzir a nova titular do Planalto, que... bem, melhor não tergiversar, afinal, o ano começa a gora e não vamos enfumaçar o astral. Continuam, espocar os fogos comemorativos. Que venha o novo ano.

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