quarta-feira, 28 de outubro de 2009

COMO ENTENDER A FRAGILIDADE DO CONCEITO DE "RAÇA"

Poderíamos dizer que tudo começou com idéias etnocêntricas. Povos caçadores ainda não sedentários construiam um imaginário que valorizava o destemor e a ousadia. No entanto povos agrícolas mais facilmente alcançavam excedentes de produção com os quais mais facilmente faziam escambo e assim conseguiam uma maior variedade de produtos, o que proporcionava mais conforto e uma melhor dieta alimentar. Tais diferenças projetavam autoconceitos que mostravam o outro povo como objeto de cobiça pela apropiação de espaço, posteriormente de produtos (como sal, metais, colheitas) e mais adiante, dos próprios indivíduos que passavam a ser usados como mão de obra escrava.

Esta subordinação brutal leva a criação de justificações dessas atitudes de discriminação, desprezo e paradoxalmente, cobiça.

Para tanto, são criados termos, apelidos, definições, mitos para explorar e nomear as populações e indivíduos alvo destas ações e comportamentos. Deste modo, judeus chamavam a todos não-judeus de "gentios"; os romanos diziam que o restante da humanidade era pura barbárie; árabes islâmicos classificam os não convertidos de simplesmente "infiéis"; os ingleses apelidaram os nativos da Oceania de "aborígenes" com intuito pejorativo evidente e não tiveram qualquer pudor em caçar e exterminar centenas de milhares deles para lhes tomar as terras, além de confinar como animais selvagens milhares de nativos da Tasmânia, provocando o colapso total de indivíduos por contaminação por bactérias e vírus vindos da Europa para os quais, os nativos não tinham proteção biológica.

No século XIX, antropólogos europeus elaboraram teorias variadas para tentar demonstrar que as populações da África de pele escura eram menos humanas que chamados caucasianos. Coincidentemente, os países, governos e instituições a quem serviam eram grandes lucradores com a captura, tráfico e exploração da escravidão negra.

Tem mais, Thomas Jefferson , um dos "pais da pátria"do império americano, defendia a prática da escravidão, aliás, achava que a "América" deveria ser um país de "plantions" e "farms", ou seja, uma república agropecuária que alimentaria o mundo. Tudo, é claro, movido a trabalho escravo: barato, obediente, farto e com mão de obra renovável (era só reabastecer com mais africanos). Vejam só, que idéia de "gênio" deste senhor!...

Os fundamentos e motivações da idéia de "raça" são tão frágeis quanto ridículos. Mas, a mais solerte justificativa da discriminação das populações de pele escura é explicação derivada da tese criacionista tão cara aos radicais e fundamentalistas protestantes e neoprotestantes de que, tudo seria originário do episódio narrado pelo "Torah", no livro de Génesis (numa titulação latina), da embriaguez de Noé, que teria sido surpreendido nú pelo filho, Cam, que ao vê-lo em estado típico das vítimas de alcoolemia aguda, passou a zombar do pai. Como consequência do ato irreverente, ele, Cam, teria sido amaldiçoado e a seus descendentes, que deveriam ser servos dos de seus irmãos, a saber, Sem e Jafé. Pronto. Pra que mais explicação? É só aceitar a interpretação literal do texto bíblico.

Seria risível se as consequências não fossem humanitariamente catastróficas.

Pois é, os antropólogos cínicos que "encontraram" evidências de inferioridades em peculiaridades físicas e comportamentos tribais; teólogos fundamentalistas que tentam subordinar o destino histórico da população de um continente à leitura insensata de uma história do "Torah"; todos usados por gente que, muitas vezes, nem acredita em nada disso ou pouco se importa com esses "folclores". Querem mesmo é usufruir dos privilégios consequentes, lucrar com a exploração, se aproveitar da opressão e até da violência social provocada pela indignação justa e o conflito resultante.

"Raça" é um conceito mefistofélico. Não dá pra ser feliz com ele.

Casa Forte, 28/10/2009
Marcelo Cavalcanti
81-92482399 - cavalcantimarcelo1948@hotmail.com

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