quarta-feira, 24 de novembro de 2010

DEMOCRACIA SAUDÁVEL TEM DISSENSO,
GOVERNOS POPULISTAS BUSCAM A UNANIMIDADE


Carta Aberta a uma leitora crítica deste blog


Prezada Amiga:

Boris Pasternak colocou na boca do personagem Gordon, amigo do emblemático protagonista “doutor Jivago” a seguinte sentença: “Aconteceu muitas vezes na História. O que foi concebido como nobre e elevado tornou-se matéria bruta. Assim a Grécia tornou-se Roma, assim o iluminismo russo tornou-se a revolução russa.”

Corria o mês de outubro e recebo e-mails que falam de um “Lulinha” que teria feito tanto pelos pobres que, assim sendo, o país devia a ele preitos de gratidão e indulgência. Como continuei sendo uma voz dissidente dos 83% passei a condição de “defensor de oligarquias” e mais recentemente recebo o título de “Cassandra”, que torce pelo pior, que deste modo se mostra insensível, do contra e sem espírito patriótico.

É lamentável que pessoas sinceras, bem intencionadas e civicamente saudáveis se deixem seduzir pela tentação da unanimidade. Considero e sempre considerei a proposta política do que foi a “Era Lula” um descaminho, um desacerto, mas, é inegável que ela foi erigida pela escolha eleitoral de uma maioria. A mim e a todos que não concordam cabe o direito sagrado do dissenso, da crítica substancial (e quanto mais sólida melhor) do governo.

O governo da “Era Lula” foi montado no carisma de um líder popular que se fez passar perante as massas frustradas e empobrecidas como imagem de referência e de redenção. Ao juntar-se a esta expectativa a ocorrência de programas massivos de transferência de renda mais o escancaramento do crédito de varejo e das portas do consumo, uniram-se imagem e fatos.

A saída econômica perante a crise internacional dos últimos dois anos pela via do mercado interno e da exarcebação do consumo, tornou o país, antes de tudo, mercado para o mundo. O preço dos “gadgets” “made in China” tornou-se irresistível, a balança comercial mal se equilibra às custas de bilhões de toneladas de “comodities” e o parque industrial brasileiro sofre um desmonte colossal.

Mas, a “Era Lula” que fez a pirotecnia de mover milhões da linha da miséria, em um juízo filantrópico mereceria “indulgência plenária”. Assim, observam segmentos da classe média enternecida que prefere fechar os olhos e finge que nunca existiu a tentativa de assalto ao estado que virou o escândalo do mensalão, o caso Erenice, as trapalhadas da política internacional, as amizades espúrias com Chavez, Armadinejad; o ridículo atrabiliário que foi o episódio hondurenho, onde nossa embaixada transformou-se em palanque de um fanfarrão destronado (de quem ninguém sequer se lembra mais), etc, etc...

Estes expoentes da classe média urbana, bem escolarizada sabem que fazer vista grossa a um regime que condena mulheres ao apedrejamento por suposto adultério é algo inominável. Sabem também, que comparar escritores dissidentes cubanos com criminosos comuns é um escárnio aos seus próprios valores. E mais, a pregação do extermínio de legendas de oposição, o uso da máquina pública como se fosse patrimônio de uma facção política. Tudo, tudo isso foi e é enterrado numa vala de esquecimento e coberto com a terra indulgente sob a justificativa de que é, ou foi, a “Era do Senhor Pai dos Pobres”.

Não concordo, porém, até compreendo. Todavia, a cooptação pela unanimidade através (entre outras coisas) do uso da máquina do estado, das verbas públicas, mais que nunca merece oposição, denúncia e reclamo.

Amiga leitora, a crítica, o contraditório são muito bem acolhidos no “politicamenteatrevido”. Existe um espaço para comentário ao final de cada postagem. Se for do seu agrado use-o.

O teórico italiano Franco Alberoni já afirmava a 33 anos que: “A democracia é um sistema político que pressupõe o dissenso. Ela requer o consenso apenas sobre um único ponto: sobre as regras da competição."

Casa Forte, 24/11/2010
Marcelo Cavalcanti
(81)93195627 - cavalcantimarcelo1948@hotmail.com

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