sexta-feira, 26 de novembro de 2010

A GUERRA DO RIO



Porque exatamente, ali, na cidade de um povo tão cordial, alegre e que nem é a mais rica, que fica a algumas centenas de quilômetros da mais importante megalópole da America Latina?

Para tentar responder e dar nexo a esta saga de guerra urbana vamos observar algumas questões.

I – A Cidade:

O Rio de Janeiro desde o final do século XVIII vive a condição de cidade de grande concentração demográfica e com a chegada da Família Real em 1808, passa a ser elevada ao patamar de capital e receber um fluxo de riquezas nunca experimentado. Ao lado deste aporte de recursos e de renda, concentrou-se um contingente populacional em parte importado da Europa, em parte emigrado do resto país e em parte trazido à força pelo tráfico de escravos africanos.

Em 1960, mesmo deixando de ser a capital de República, o Rio de Janeiro segue como segunda metrópole do país e continua sendo lugar de grande circulação de riqueza.

Esta mega urbe situa-se entre a planície circundante de uma baía e o relevo íngreme de morros e outeiros que foram ocupados progressivamente pelas populações mais carentes, pelos menos, ou nada, integrados à sociedade como participantes reconhecidos da economia.

Assim, foi sendo erguida aquela que a poesia carioca autointitulou de “Cidade Maravilhosa”.

II – A População:

O principal contingente populacional que, historicamente, fixou-se no Rio de Janeiro tem íntima relação com a burocracia de estado. Primeiramente do Reino Unido a Portugal e Algarves, depois do Império e em sequência, da República. Mesmo depois da transferência da capital nacional para Brasília, no rio ficaram importantes escritórios ministeriais, muitos dos quais ainda hoje estão lá. Além disto, por ter sido a cidade-estado da Guanabara por algum tempo, tal fato ajudou a concentrar uma população ligada ao serviço público, que tinha a seu lado todo um setor terciário em pleno vigor econômico e financeiro.

Tudo isto atrai uma população periférica usada como mão de obra, prestadora de serviços primários e ainda, fertiliza e fecunda o desenvolvimento de atividades chamadas de “marginais”, como prostituição, jogatina (“jogo-do-bicho”, bingos suburbanos, etc.), comércio informal de mercadorias de origem duvidosa e tráfico de drogas de diversos tipos. Exército de informais, de pequenos e grandes delinquentes, contraventores e simples biscateiros, aos poucos, envolveu a cidade e passou a ser o responsável pela sua principal imagem social e o seu coração cultural popular.

Na real, o pequeno ladrão, o punguista quase romântico, o malandro de navalha e lenço de seda eram os avós dos “senhores da guerra” do narcotráfico carioca.

Por outro lado, por ser um centro de turismo, de atividades boêmias e burlescas, de intenso comércio de sexo e hábitos correlatos, esta cidade é um pólo de demanda e consumo de drogas diversas e ampla efervescência de furtos, roubos, assaltos que são favorecidos por uma estrutura de segurança pública permeada de corrupção e de ineficiência legendária.

No meio disto tudo, vive uma numerosa classe média que é jogada de voluntário ou não nos mais diversos papéis. Ora refém, ora chantageada, ora acuada, ora alienada, ora indignada, ora consumidora pelas mãos de seus próprios algozes.

III – O Conflito:

Este Barril social, demográfico e mesmo geográfico pleno de nitroglicerina é o Rio de Janeiro de hoje.

De um lado do “front” estão múltiplas organizações que se tornariam forças paramilitares com nomes sugestivos como: “Comando Vermelho”, “Terceiro Comando”, “ADA – Amigos dos Amigos”, etc. De Outro, as forças de segurança pública (e eventualmente até batalhões das Forças Armadas), as polícias militar e civil dirigidas por um governo que (independente de quem esteja nominalmente à frente) oscila entre iniciativas vigorosas de combate e recuos de pusilanimidade. O Governo do Estado do Rio de Janeiro padece de falta de determinação política e vive a esquizofrenia atroz de se ver como agente repressor de massas nas favelas, outrora glamourosas e fantasiadas, e também, como penitente que busca salvação adotando as filosofias e ideários das “ONGs”, que são incompetentes para redimir as populações faveladas, porém, gozam de alto conceito junto a outros segmentos sociais, onde são vistos como abnegados paladinos da utopia da pacificação social através de persistentes doses homeopáticas do que eles chamam de “consciência”.

Esquecem-se esses “apóstolos”, que inclusão social só é possível com um mínimo de presença e ação do estado. Mas, isto é algo que as “ongs” adoram substituir. E aí, começa a ficar mais fácil entender os motivos da insistência monocórdia destas organizações.

Agora, quando o governo do estado desenvolve um conjunto coordenado de ações que põe o narcotráfico organizado em xeque, a própria reação radical dos facínoras incomodados em seus “territórios“ teve a benesse de unir a população que não vive direta ou indiretamente ligada ao crime, contra seus algozes. Isto já é muito e pode ser decisivo se o governo tiver a têmpera de não recuar para penitenciar-se pelos sentimentos de culpa mais uma vez.

De resto, apenas repito a paráfrase pronunciada anteontem por Arnaldo Jabor: “chegou a hora dessa gente carioca mostrar seu valor.” “Allez!...

Casa Forte, 26/11/2010
Marcelo Cavalcanti
(81)93195627 - cavalcantimarcelo1948@hotmail.com

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