sábado, 22 de janeiro de 2011

PEQUENAS PAIXÕES III

Ahh, essas cores mórbidas...


O anoitecer nublado, chuvoso faz da cidade um cenário de filme “noir”. Os dados publicados das instituições e agências governamentais sobre desemprego dizem que as taxas nunca foram tão baixas, mas, somente são considerados como tal, aqueles que procuram as referidas agências de trabalho (sendo vistos como economicamente ativos) e assim são declarados. O restante fica no vácuo estatístico. É como se não existissem.

Por isto, não é de estranhar que próximo das sete da noite, em plena Av. Dantas Barreto, ambulantes, depois de ocuparem cada palmo das calçadas, disputam faixas inteiras do asfalto com os ônibus. São carrinhos de mão com tabuleiros de frutas. A expectativa de rendimento deste micro comércio insipiente é mínima. No entanto, o envolvimento e denodo dos vendedores é surpreendente. Isto, que a nomenclatura oficial chama de comércio informal, visto no conjunto da atividade e suas conseqüências e reflexos indiretos, é vetor de circulação de cifras muito expressivas. Contudo, olhados individualmente, são pequenos, porém, hercúleos, obstinados, lutando com o que lhes oferece a vida.

As cores da cena apenas servem de fundo para a imaginação. As personagens deste pós lusco-fusco são o sopro vital. É bom se sentir humano, “lato sensu” mesmo e se deixar perceber nas diferenças, nas incontáveis diversidades que uma cidade como o Recife pode nos oferecer em um início de noite de verão úmido, sem estrelas e com prenúncio de chuva.

Nem na superfície do Capibaribe, o espelho do firmamento se revela, preferindo mostrar as luzes da cidade, assim, de um jeito fátuo, fugidio.

No íntimo dos sentidos, o verde ganha tons de musgo, os pigmentos rubros enegrecem e o azul se acinzenta e se impregna de um aniz, como que pintado com tintura de pastel. A névoa que vem de dentro envolve os brilhos remanescentes.

É melhor lembrar e ouvir Beto Guedes nos versos de Fernando Brandt. Ahh... essas cores mórbidas e as promessas desse temporal.

Casa Forte, 22/01/2011
Marcelo Cavalcanti
(81)93195627 - cavalcantimarcelo1948@hotmail.com











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